Os Sambaquieiros: Desvendando os Mistérios dos Construtores de Montanhas de Conchas

Por sete milênios, a costa do que hoje conhecemos como Brasil foi lar dos sambaquieiros, povos ancestrais que construíram monumentos impressionantes: os sambaquis. Essas estruturas, feitas de conchas, ossos, areia e terra, chegavam a atingir 40 metros de altura e guardam até hoje restos humanos, além de inúmeros vestígios de um passado misterioso. De onde vieram esses povos?

1/9/20253 min read

Por sete milênios, a costa do que hoje conhecemos como Brasil foi lar dos sambaquieiros, povos ancestrais que construíram monumentos impressionantes: os sambaquis. Essas estruturas, feitas de conchas, ossos, areia e terra, chegavam a atingir 40 metros de altura e guardam até hoje restos humanos, além de inúmeros vestígios de um passado misterioso. De onde vieram esses povos? Por que desapareceram ou foram substituídos por outros grupos indígenas, como os Tupis e Jês, que habitavam o litoral na época da chegada de Pedro Álvares Cabral? Um estudo recente, detalhado em vídeo pela BBC News Brasil, lança luz sobre essas questões.

O que são os Sambaquis?

Sambaquis são grandes montes de conchas, dispersos principalmente pelas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Suas dimensões são monumentais, com alturas variando entre 30 e 40 metros. Construídos entre 8.000 e 2.000 anos atrás, esses monumentos foram erguidos por civilizações que viviam no litoral atlântico. Sua subsistência se baseava em uma economia mista, combinando o consumo de peixes, frutos do mar e plantas, possivelmente complementada pela caça e horticultura.

Segundo o estudo, os sambaquis resultaram da deposição planejada e contínua de conchas, restos de peixes, plantas, artefatos, restos de fogueiras e sedimentos locais. Serviam como marcadores territoriais, moradias, cemitérios e locais cerimoniais, abrigando, em alguns casos, centenas ou milhares de sepultamentos. O sambaqui Capelinha, localizado no Vale do Ribeira, em São Paulo, tem 10.400 anos, enquanto outros são mais recentes, com cerca de 1.300 anos.

A Pesquisa Genética: Revelações Sobre a Origem e Diversidade

Pesquisadores da Universidade de São Paulo e outras instituições nacionais e internacionais realizaram o sequenciamento genético de fósseis de 34 indivíduos, divididos em quatro grupos geográficos: Baixa Amazônia (próximo à Ilha de Marajó), Nordeste, região de Lagoa Santa (Minas Gerais) e a costa atlântica Sudeste-Sul, onde se concentra a maioria dos sambaquis. É importante notar que alguns indivíduos analisados não estavam diretamente ligados aos sambaquis, sendo mais antigos ou mais recentes, o que permitiu comparações genéticas entre diferentes povos ao longo do tempo.

A análise genética revelou que a cultura dos sambaquis não foi praticada por um único povo, contrariando a similaridade observada nos registros arqueológicos. Há diferenças genéticas entre os sambaquieiros do Sul e do Sudeste, demonstrando que cultura e genes nem sempre andam juntos.

Outra descoberta crucial é que os povos que habitavam a costa brasileira descendem dos mesmos ancestrais que chegaram às Américas há cerca de 16.000 anos, através da Beríngia. Esses indivíduos deram origem a todas as populações indígenas, incluindo os Tupis. Surpreendentemente, a pesquisa encontrou evidências da sobrevivência, ainda que parcial, de grupos relacionados a Luzia de Lagoa Santa, o fóssil humano mais antigo da América do Sul, até 2.000 anos atrás, um achado inesperado para os cientistas.

O Desaparecimento e a Influência de Outros Povos

A pesquisa não responde a todas as perguntas, como a densidade populacional dos sambaquieiros ao longo do tempo. Acredita-se que, apesar de terem sido o maior fenômeno demográfico da América do Sul pré-colonial (atrás apenas das civilizações andinas), sua população não era tão densa como se imaginava. O desaparecimento dos sambaquieiros há 2.000 anos ainda é um mistério: teria sido uma calamidade climática ou uma implosão social interna?

A chegada dos europeus em 1500 dificultou ainda mais a compreensão desse passado remoto, com a drástica redução da população local e a perda de muitas línguas e variações genéticas. No entanto, a pesquisa apresenta pistas sobre o desaparecimento dos sambaquieiros. Há 2.000 anos, começaram a surgir nos sambaquis assinaturas genéticas típicas de grupos ancestrais Jês, que habitavam o interior da região Sul e migraram para o litoral. Além disso, as construções começaram a apresentar uma inovação: a cerâmica, tecnologia trazida por esses povos interioranos.

Portanto, em vez de uma substituição completa dos sambaquieiros por outros povos, provavelmente ocorreu uma mudança gradual de práticas, com a adoção de novas tecnologias e culturas, indicando uma interação e assimilação cultural, e não necessariamente um desaparecimento abrupto. A pesquisa abre novas perspectivas sobre a história pré-colonial do Brasil e a complexa interação entre diferentes grupos humanos ao longo de milênios.